Crónica

Ir sem mim
Prometo que qualquer dia me vou embora sem mim. Solto-me, deixo-me para trás, abandono a minha parte que não quer ir, largo-a, ela que fique sentada no sofá a contar as hipóteses, os receios, a pensar se vale a pena, a medir as consequências e a duvidar se algum dia conseguirei chegar a algum lado. Não tenho que me preocupar com quem não merece, não tenho que ser indivisível, nem uno, nem fiel. Já esperei demasiado tempo. É isso, qualquer dia vou-me embora e não me despeço sequer da minha dúvida, não vá ela olhar-me nos olhos e fazer-me vacilar. Nunca abri porta nenhuma para sair do meu dentro. E dentro de mim é uma coisa funda. O meu pensamento sempre foram quatro paredes altas, altas até para os pássaros, e eu fiquei continuamente quedo e mudo à espera que o mundo acontecesse, à espera da vida vir ter comigo, à espera do amor e à espera de tudo o que nós gostamos de ler nos livros. Hoje decidi que os quero para a minha metade insurgente. Essa metade feita de carne e pele e desejo. Nunca abri a porta de nada e foi sempre pelo postigo dos olhos que eu vi o mundo a acontecer. Estou farto de não ser. Já não há outra saída a não ser renunciar a mim próprio. Tenho de deixar de morar em mim para conseguir viver. Acho que é chegada a hora de me fugir.

                                                                                                                        Vítor Encarnação

1 comentário:

  1. Faz bem á mente ler estas crónicas, faz-nos pensar e decidir ser feliz. Obrigado Madalena Pequito

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